De acordo com Jung, ´Psique é Imagem`. A Psique ´cria realidade todos os dias`. Os fatos fundamentais da existência são as ´imagens de fantasia´ criados pela psique. Todo o nosso conhecimento, pensamento, sensações, percepções, sentimentos, desejos e crenças devem apresentar-se como imagens para que possam ser experimentadas.
Hillman, inspirado em Henry Corbin, declara que o mundo psíquico é um ´mundo imaginal`. Ao mesmo tempo que experimenta as imagens como internas, ele vive no meio delas.
“O mundo psíquico é um mundo imaginal, assim como imagem é psique. Paradoxalmente, ao mesmo tempo essas imagens estão em nós e vivemos em meio a elas. O mundo psíquico é experimentado ao mesmo tempo como interno, entretanto ele nos envolve com imagens. Eu sonho e experimento meus sonhos como internos, mas ao mesmo tempo ando pelos meus sonhos e estou dentro deles.” (HILLMAN, J., Re-Vendo a Psicologia, 2010, pg. 81).
Jung enfatiza a função terapêutica das imagens. As imagens não só revelam o nosso psiquismo, mas também nos permitem ter acesso e trabalharmos os nossos conteúdos inconscientes, ampliando desta forma a nossa consciência.
O SouCollage® é basicamente um trabalho com as imagens. Seena Frost, a criadora do método do SoulCollage®, afirma em seu livro:
“Quando você segurar todas as suas cartas na mão, você estará segurando um reflexo simbólico da sua alma multifacetada. Quanto mais você trabalhar com as imagens, mais força elas terão para revelar e mudar padrões em sua vida.” (FROST, Seena B., 2010, pg. 3)
O método do SoulCollage®, quando utilizado adequadamente na Terapia, auxilia na despotencialização dos Complexos. Através da confrontação do Complexo, consegue-se liberar a energia transformadora dos Arquétipos. Consequentemente, o indivíduo consegue estabelecer novas associações com o meio que o cerca, contribuindo para o surgimento de novas possibilidades e caminhos a serem seguidos em sua vida.
Esse processo, inicia-se com o paciente escolhendo imagens de revistas, catálogos, jornais, fotos ou até imagens virtuais. O paciente não necessariamente sabe o significado destas imagens, mas escolhe aquelas pelas quais sente-se atraído. Essas imagens externas irão por identificação, expressar e representar as imagens interiores e inconscientes do indivíduo. É fundamental, que o Terapeuta preste atenção em todo o processo de criação da carta de SoulCollage® de seu paciente. Desde a escolha das imagens, o jeito de recortá-las e colá-las na carta, até o conteúdo das imagens, a quantidade das imagens escolhidas e a sua disposição na carta. Há pessoas que colocam pouquíssimas imagens e há outras que reclamam, que o espaço do cartão é insuficiente para todas as suas imagens!
Um dos pontos fundamentais do SoulCollage®, é quando o paciente oferece voz a sua carta. A carta se apresenta para ele, iniciando sempre com as palavras: “Eu Sou Alguém Que...”. Esta metodologia permite que o paciente dê voz a seus aspectos interiores.
Através da colagem, conseguimos personificar* conteúdos invisíveis do nosso inconsciente. Nas palavras de um paciente: “-As coisas estão ali, ao vivo e a cores, e não temos mais como escapar delas!”. Em seguida, através da imaginação ativa e com a ajuda do: “Eu sou alguém que...”, conseguimos estabelecer um diálogo com estes conteúdos. Esse diálogo poderá suscitar novos conteúdos, que poderão ser temas para futuras cartas de SoulCollage®.
O estado de identidade entre o Ego e o Complexo é rompido, na medida que o indivíduo consegue ver e dialogar com um aspecto seu sombrio (do complexo). Isso ocorre quando se reconhece o Complexo como um Tu, como algo diferente do Eu; como algo separado em nós. O complexo, apesar de nos pertencer e muitas vezes ´nos ter`, precisa ser vivenciado como uma identidade autônoma, separada do ego. Desta forma, poderá ter início um diálogo interior, que levará a confrontação do complexo e posteriormente, a sua despotencialização. Apenas assim, será possível, libertarmos o arquétipo de suas ´distorções` e atingirmos o seu núcleo saudável.
Mesmo que as palavras: “Eu Sou Alguém Que...”, possam de início processar-se à nível da consciência (com a ajuda do Ego), rapidamente conseguem atingir e acessar o nosso inconsciente. Em graus variados, todos podem se beneficiar deste processo do SoulCollage®. Dependerá de cada pessoa, a forma e a profundidade com que esse processo se dará. Seena Frost costumava dizer:
“O SoulCollage® é como o oceano. Você pode escolher entrar nele somente com os seus dedos do pé ou você pode mergulhar nele com todo o seu corpo. Cada um irá escolher, a profundidade que deseja alcançar. Tudo é possível!”. (Citação de Mariabruna Sirabella)
Conforme mencionado acima, o SoulCollage® utiliza-se a técnica da Imaginação Ativa. É ela que nos possibilita acessar as nossas energias ocultas e ir além, à ´lugares` antes nunca vistos. Desta forma, tem-se acesso a conteúdos nossos que se encontram na Sombra. Estes conteúdos podem ser tanto de natureza hostil e conflituosa, como também, desconhecidos e por isso pouco desenvolvidos. A integração desses conteúdos à nossa Personalidade é uma fonte inestimável de energia vital, de criatividade, de renovação e ampliação de consciência.
A primeira etapa da Imaginação Ativa, seria a consciência fornecer os meios de expressão para os conteúdos do inconsciente se manifestarem. Nesta etapa, a condução do processo deve ser deixada, na medida do possível, para o surgimento das imagens, das ideias e associações do inconsciente. As imagens recortadas das revistas e o suporte material dos cartões de SoulCollage® facilitam a projeção e a personificação das imagens inconscientes, ajudando a promover a sua assimilação e integração pela consciência.
Surgem assim conteúdos irracionais, indesejados ou inesperados que levam a descoberta dos complexos, conforme explicado anteriormente. Após o surgimento dos conteúdos inconscientes, nos resta saber como o ego se comportará diante desta situação. Aqui tem início a segunda etapa, na qual a condução do processo passa do inconsciente para o ego.
Nesta etapa, ocorre a confrontação entre o ego e os conteúdos do inconsciente, com troca de argumentos e afetos entre eles. A aproximação dos opostos entre o ego e o inconsciente, resulta no aparecimento de um terceiro elemento que é a função transcendente. A consciência é ampliada, quando se consegue integrar esses conteúdos opostos através da função transcendente.
Resumindo, podemos dizer que a imaginação ativa seria uma forma de trazer conteúdos do inconsciente para a consciência. A Imaginação Ativa, ajudaria a transformar os conteúdos inconscientes em imagens, tornando-os mais acessíveis a consciência. O SoulCollage® auxilia nessa mediação, entre os conteúdos inconscientes e conscientes.
“Pela minha experiência estou convencido de que é praticamente impossível produzir qualquer coisa na imaginação que não seja uma representação autêntica de alguma coisa do inconsciente. A função integral da imaginação é trazer o material do inconsciente, vesti-lo com imagens e transmiti-lo à mente consciente. Tudo que vem da imaginação deve ter vivido em algum lugar na teia do inconsciente, antes de receber uma forma-imagem, através da imaginação.” (JOHNSON, R. A., 1986, pg. 189)
O que se propõe aqui é que o paciente expresse de forma concreta e simbólica conteúdos de seu inconsciente, para que consiga trabalhá-los de forma mais consciente. De acordo com Jung, desta forma, o afeto anteriormente não vinculado, converte-se em uma ideia mais ou menos clara e articulada, graças ao apoio da consciência.
O SoulCollage® como facilitador da função transcendente, através das imagens, auxilia na criação de símbolos, ajudando o inconsciente a se tornar consciente. Estes símbolos, irão funcionar como função transcendente, criando novos conteúdos, que não se identificam nem com os conteúdos da consciência e nem com os conteúdos do inconsciente. Neste processo ocorre a amplificação da consciência e surge uma nova personalidade, mais ampla, forte e plena.
“...tem-se um produto que foi influenciado tanto pela consciência como pelo inconsciente, produto que corporifica o anseio de luz, por parte do inconsciente, e de substância, por parte da consciência.” (JUNG, CW, vol. 8/2, parág. 168)
Tenho incentivado muito os meus pacientes a fazerem cartas de SoulCollage® durante o seu Processo Terapêutico, pois tenho percebido os ganhos e benefícios obtidos pelas mesmas. A maioria deles abraça o método e segue fazendo as cartas também fora do espaço terapêutico (Setting Analítico). Os pacientes que aprendem na terapia a fazer as cartas de SoulCollage® em associação com a Imaginação Ativa, passam a depender menos do analista, e se assim desejarem, podem continuar o processo de SoulCollage® por conta própria.
Entretanto, pela minha experiência, os pacientes acabam sempre compartilhando a maioria de suas cartas com o analista, por serem indissociáveis do material terapêutico e por expressarem também e tão bem, a essência do seu Processo de Individuação. Além disso, como bem se sabe na Psicologia Junguiana, o analista também seria um catalizador da Função Transcendente, ao olhar para os conteúdos inconscientes de seu paciente, ajudando-o a integrá-los na consciência.
O presente artigo faz parte da conclusão da minha Monografia, apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Psicologia Junguiana, Arte e Imaginário.
Tanise Teruszkin Wiedermann é Psicóloga e Arteterapeuta especializada em Psicologia Clínica(PUC-Rio) e em Psicologia Junguiana, Arte e Imaginário(PUC-Rio) e tem também Formação em Terapia Cognitiva Comportamental(CPAF). Ela trabalha como Facilitadora de SoulCollage® desde maio de 2016. Trabalhou como Coordenadora dos Facilitadores de SoulCollage® do Rio de Janeiro de maio de 2016 até fevereiro de 2019.
Tanise atende pacientes e ministra vários cursos na sua clínica, Espaço Yaalom no Rio de Janeiro. Entre eles, Cursos e Workshops de SoulCollage® e grupos de Autoconhecimento de Mulheres. (Vide Site do Espaço Yaalom)
Para mais informações: +55 21 99916-9705(what´s app e telefone) tanisetw@globo.com
* Personificação – Jung comparou a Personificação, com uma identificação inconsciente ou a projeção de um determinado conteúdo inconsciente em um objeto, até o momento em que poderia ser integrado na consciência. Na terapia, o paciente explora o seu relacionamento com as suas personificações. De acordo com Samuels: “Uma atividade psicológica fundamental, pela qual tudo aquilo que o indivíduo experimenta é espontânea e involuntariamente personificado, isto é, se torna uma ´pessoa` psíquica. Encontramos nossas personificações em sonhos, fantasia e na projeção.” (SAMUELS, A., 1988, pg. 150)
Bibliografia:
CHODOROW, J. Jung on Active Imagination. New Jersey: Princeton University Press, 1995.
FROST, Seena B. SoulCollage Evolving. California: Hanford Mead Publishers, 2010.
GOUVÊA, Alvaro de Pinheiro. A Tridimensionalidade da Relação Analítica. São Paulo: Cultrix, 1999.
HILLMAN, J. Re-Vendo a Psicologia. Petrópolis: Vozes, 2010.
JOHNSON, R. A. Imaginação Ativa: Inner Work. São Paulo: Mercuryo, 1989.
JUNG, C.G. Collected Work. vol. 6 (Tipos Psicológicos). Petrópolis: Ed. Vozes, 1991.
__________ C W. vol. /1 (Psicologia do Inconsciente). Petrópolis: Ed. Vozes, 2001.
__________ C W. vol. 7/2 (O Eu e o Inconsciente). Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.
__________ C W. vol. 8/2 (A Natureza da Psique). Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.
__________ C W. vol. 16/1 (A Prática da Psicoterapia). Petrópolis: Ed. Vozes, 1985.
JUNG C. G. Sonhos, Memórias e Reflexões. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 2016.
SAMUELS, A. Dicionário crítico de análise Junguiana. Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1988.
SILVEIRA, N.D. Jung, vida e obra. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1996.
STEIN, M. Jung, o mapa da alma. São Paulo: Ed. Cultrix, 1998.
WHITMONT, E.C. A busca do símbolo. São Paulo: Ed. Cultrix, 1992.
Bibliografia Adicional:
Citação de Mariabruna Sirabella.